terça-feira, 2 de agosto de 2011

pode ir.


Tinha vezes que ela ficava sentada na beirada da cama, como se quisesse cair daqui a pouco. Poderia jurar que ele não percebia seus movimentos, mas ele lia os sinais que passavam por debaixo de sua pele. 

Ingênua, pensava ele, que agora anotava suas certezas num diário desse amor que parecia se governar sozinho. Seus encontros eram tão puros que tropeçavam na transparência das cortinas. Seus desencontros pareciam sincronizados, o que conferia aos dois um tom suave de alegres coincidências. 

E sentada no cantinho das roupas espalhadas pelo quarto, ela se sentia dona do mundo. Ingênuo, pensava ela, que agora se apaixonava pelas palavras que criavam suas histórias, aventuras que viravam etéreas de tão simples. É que na verdade qualquer coisa pode se tornar simples, sem ser menosprezada. O desprezo não está em simplificar as coisas. Está em ignorar a essência. 

A cada vírgula, ela sentia vontade de beijá-lo. A cada ponto, sentia chegando um novo abraço. Puro, sabe? Nem se preocupava se a história tinha mais vírgulas ou pontos, se o seu coração ainda faria com que ela tivesse que esperar. Desconhecia a palavra tempo, porque só enxergava o significado de um momento. 

- Mas, amor, tu já percebeu que a palavra apesar deve vir de a + pesar? Apesar então é a-p-e-s-a-r. Mesmo. De peso. 
- Hm.
- Amor. Já percebeu?

Quase sempre assim. Ele demorava para responder, ela já tinha ido parar na próxima conexão. E ficava fugindo e voltando, porque ainda não chegara o momento de serem um. 

- Mania de brincar com as palavras, essa tua.
- É. Depois vou escrever.
- Nunca vi.
- Nunca procurou.
- Ai, que inferno conversar com uma escritora.
- Não sou escritora.

Ela não é escritora. Confunde-se. Ele delicadamente consegue encostar nos seus cabelos, passando as mãos pela nuca e fazendo um tipo não codificado de cafuné. Era um cafuné só dela. Os seres humanos não entendem, pelo que se percebeu. Já li numa revista que isso existe, sabe. Pesquisadores americanos provaram que é esse o caminho do amor. Esse cafuné, misturado com as palavras, alinhado com as fotografias. Ele fica se segurando na beirada da cama. Mas sempre pronto para ser levemente trazido para cima, onde mora o colo dele, lugar em que ela se encaixa e vive de presença, sensata, independente e livre de qualquer dor. 

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