(luis fernando verissimo)
bom, preciso confessar: tenho dois amores literários. um deles é meu relacionamento mais antigo, profundo, imenso. leve como o que ele escreve, e eu leio desde adolescente. luis fernando verissimo. tenho todos os livros dele, alguns com dedicatórias que me faziam suspirar. eu ia ver o jazz 6 tocar, esperava ele sair para que escrevesse mais palavras suas em seus próprios livros. mas palavras mais especiais, porque eram para mim. era isso que eu fazia com 15 anos, ó céus. eu tenho uma grande coleção de livros dele, super guardada, não empresto pra ninguém, nem adianta pedir. já perdi amigos por isso, eu acho. mas ainda bem, talvez fossem pessoas que não compreendem o valor de um livro na vida da gente, o valor de um autor, seu jeito, suas ideias. nem tô.
o outro é um amor doido, daqueles de tirar o chão da gente. quanto mais todo mundo ao meu redor o odeia, mais o amo com toda vontade. eu me apaixonei por ele, virou amor platônico, sei lá. eu posso visitar suas palavras, mas apenas de longe. tremo se penso em chegar perto. fui ao sarau no ocidente, em que ele esteve, e fiquei com dor de barriga ao pensar em pedir um autógrafo. não! imagina. depois perde o encanto. depois se consuma, vira história. nada disso. deixa ele bem assim onde está. eu dormindo super tarde para vê-lo falar no jô, eu tentando convencer o mundo inteiro a não falar dele, nem mal nem bem. meu personagem favorito, isso que ele é. devia ser patrono da feira do livro em porto alegre. devia ser eleito rei dos aforismos, presidente dos canalhas, diretor do sindicato dos enamorados, defensor da causa dos ciumentos. carpinejar. amém.
e agora um fala do outro. ou melhor: o outro fala do um. adorei. marido e amante, um embate memorável. e eu vivo passeando pelas palavras de um e de outro, tem coisa melhor que isso?
Texto extraído do Blog do Carpinejar
VERISSIMO
Qual o maior cronista vivo? Luis Fernando Verissimo. Até no mundo dos mortos, ele se daria bem. Acredito que arrebataria o vice-campeonato, ficando somente atrás de Rubem Braga. A vantagem do capixaba seria simbólica, talvez pelo saldo de gols. Os dois foram fundamentais na definição do gênero no Brasil. O primeiro construiu toda a estrutura da crônica, diferenciando o texto leve e lírico do conto; o segundo confundiu tudo, aproximando a crônica novamente do conto com o uso perfeito dos diálogos.
E de quem sou interino? Luis Fernando Verissimo. Ao receber cumprimentos pela substituição, sempre penso que são pêsames. Minha culpa é explicar:
– Logo Luis Fernando volta, meu trabalho é aumentar a saudade dele.
Vejo que o jornal Zero Hora se dispõe a destruir minha carreira. Não há como sobreviver a sua interinidade. Mesmo que tocasse clarinete nas horas vagas e criasse um Jazz 7.
Ainda por cima, sou uma matraca, correndo graves riscos de dizer bobagem. Verissimo é o contrário: contido. Suas palestras são mímicas, dispensam a tradução para Libras. Os amigos falam por ele e ele retribui escrevendo pelos amigos. Um negócio perfeito.
Emudeci nos momentos em que abracei o autor. Permaneço quieto, e ele, quieto. É possível ouvir nossa respiração soletrada. Um repete o outro. Tudo bem? Tudo bem. Céu azul? Céu azul. Ele não sofre com o desespero. Não é problema de falta de assunto, é temperamento. Encontrar-se com Verissimo é entrar no elevador: ninguém solta um pio. É ter a solidão reembolsada com juros.
Ansioso, faço loucuras para romper o nervosismo, inclusive confessar os pecados. Como ele é célebre pela sua timidez, qualquer timidez em sua frente é uma imitação. Para ele, aquilo é rotina; para mim, é mal-estar. Praticamente impossível ser inteligente ao lado de um homem quieto.
Como não conseguirei vencê-lo na escrita, decidi superá-lo no silêncio. Precisava de muito treino. Experimentei dois dias longe de minha voz. Os filhos não compreendiam, sondavam que virei Hare Krishna. Não atendi telefone, e almocei e jantei calado.
Quando calculei que estava pronto, fui ao combate. Empreguei golpes baixos como piscar e pigarrear. Quase bati palmas perto de seus cílios. Ele se conservava imutável. Não mexia os braços e os lábios.
Uma hora e meia de completa meditação, e desisti, perguntei se tinha um lenço para secar o suor. Ele me alcançou do bolso de trás da calça. E, sem piedade, o cretino não proferiu nenhuma palavra de consolo. Não posso brincar de estátua com quem já é uma.
E de quem sou interino? Luis Fernando Verissimo. Ao receber cumprimentos pela substituição, sempre penso que são pêsames. Minha culpa é explicar:
– Logo Luis Fernando volta, meu trabalho é aumentar a saudade dele.
Vejo que o jornal Zero Hora se dispõe a destruir minha carreira. Não há como sobreviver a sua interinidade. Mesmo que tocasse clarinete nas horas vagas e criasse um Jazz 7.
Ainda por cima, sou uma matraca, correndo graves riscos de dizer bobagem. Verissimo é o contrário: contido. Suas palestras são mímicas, dispensam a tradução para Libras. Os amigos falam por ele e ele retribui escrevendo pelos amigos. Um negócio perfeito.
Emudeci nos momentos em que abracei o autor. Permaneço quieto, e ele, quieto. É possível ouvir nossa respiração soletrada. Um repete o outro. Tudo bem? Tudo bem. Céu azul? Céu azul. Ele não sofre com o desespero. Não é problema de falta de assunto, é temperamento. Encontrar-se com Verissimo é entrar no elevador: ninguém solta um pio. É ter a solidão reembolsada com juros.
Ansioso, faço loucuras para romper o nervosismo, inclusive confessar os pecados. Como ele é célebre pela sua timidez, qualquer timidez em sua frente é uma imitação. Para ele, aquilo é rotina; para mim, é mal-estar. Praticamente impossível ser inteligente ao lado de um homem quieto.
Como não conseguirei vencê-lo na escrita, decidi superá-lo no silêncio. Precisava de muito treino. Experimentei dois dias longe de minha voz. Os filhos não compreendiam, sondavam que virei Hare Krishna. Não atendi telefone, e almocei e jantei calado.
Quando calculei que estava pronto, fui ao combate. Empreguei golpes baixos como piscar e pigarrear. Quase bati palmas perto de seus cílios. Ele se conservava imutável. Não mexia os braços e os lábios.
Uma hora e meia de completa meditação, e desisti, perguntei se tinha um lenço para secar o suor. Ele me alcançou do bolso de trás da calça. E, sem piedade, o cretino não proferiu nenhuma palavra de consolo. Não posso brincar de estátua com quem já é uma.
e o super azar da vida: os dois são muito colorados... assim como praticamente todos os amores da minha vida.
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