domingo, 10 de abril de 2011

O massacre chegou antes do jantar.



Virei vegetariana porque respondia a tudo com o estômago. Qualquer coisa que eu gostasse demais ou de menos me dava dor de barriga. Aí tinha que me manter leve para qualquer um desses casos. Foi na mesma época que eu queria ter o cabelo loiro em alguns pedaços dos fios.

- Filha, nada disso de fazer luzes.

- Mas não são luzes. São umas pontas e uns lados.

Ela nunca entendia. Nem as luzes, nem o estômago. Sempre tem uma mãe achando que tudo que a gente quer fazer é fase.

Parei de comer carne. Todo mundo chegava perto achando que eu ia desmaiar, desistir ou fugir para um retiro meio hippie. Apostavam no que aconteceria primeiro. Os primos olhavam com a cara torta, encontrando uma explicação em seguida:

- É que ela é a primeira filha e primeira neta.

O “e” nesse caso era agravante sério. Cochichavam com cara de quem descobriu que não vai ganhar feriadão no trabalho. E eu não tinha ideia de como sair dali.

Quando toda família mima o primeiro filho, aí sim é que ele não consegue fazer mais nada. Fica soterrado pela atenção. E eu ainda precisava ressurgir com minhas justificativas para a nova decisão.

Meu pai já achava que era mais uma coisa que filho começa e não termina, sabe. Tipo querer fazer aula de pintura ou curso de violão.

- Daqui a pouco ela esquece. Ela já quis ser arqueóloga e eu até hoje não entendi o motivo. Deve ser porque gosta de coisa com substantivo diferente.

Alguns frangos negados mais tarde, o pessoal já tinha se acostumado.

Churrascos para mim viraram torturas nervosas. Descobrir um pedaço de presunto numa massa que jurou ser só de queijo era o caos. Pesquisar os pedacinhos de linguiça numa lentilha e não comer mais nada quando os encontrasse doía quilômetros.

- Mas tira a linguiça. Nem ficou gosto.

- Mãe, ferveu junto. Tá ali.

Virei uma chata com um pouco de soja e arroz integral.

Eu teria tendências naturebas, sim, mas a questão mesmo é que eu não gostava de carne. Nenhuma carne, nem meia carne. Fui ajeitando as coisas como podia. Omeletes sempre me salvaram na rua, mas feijão eu só podia comer em casa. Não poderia confiar minha vida a restaurantes que colocavam caldo de carne em tudo. Arriscava até umas batatas fritas para ninguém reparar que deixei de lado todo filé à xadrez na mesa do bar.

Cheguei até aqui intacta. Sobrevivi a todos os projetos de galetos, festerês dos risólis, orgias dos molhos à bolonhesa.

Não esperava o que aconteceria. Nem que ele me convidaria para jantar assim tão depressa, nem que eu iria aceitar, e muito menos que ia me desmascarar antes de conseguir descer as escadas.

Foi por telefone.

- Vamos naquele restaurante de grelhados super simpático que abriu aí perto da tua casa? Te pego às oito.

- Mas...

- Combinado?

- É que eu não como carne.

Eu falei como num confessionário, já esperando minha punição. Qualquer coisa entre ele me achar um saco ou choramingar dizendo que também adora os animais, mas não vive sem carne, poderia acontecer.

Muito pior.

- Ah, mas não tem problema.

- Jura? Por quê?

- Eles têm uma enorme variedade de saladas.

Eu sei que não foi o tom de anúncio comercial o que me incomodou. Ele acabara de me derrotar. Era justo, eu já tinha me escondido durante muito tempo.

- É que eu detesto salada.

O meu fim não estava próximo. Ele recém tinha sido decretado. Qualquer coisa seria perdoada, menos uma vegetariana que não come salada. 


***

Fui para a Oficina de Crônicas do Carpinejar em SP.

Voltei bem mais ácida, com vontade de rir de mim mesma, um amigo a mais e cheia de coisa atrasada pra fazer.

Eu cuido do sol, o George com vários S fica com as azeitonas suicidas.

O blog dele é esse aqui: http://azeitonassuicidas.wordpress.com/
E o twitter: @gdinamite

Ele tem alguns insights nesse texto. E tô adorando escrever com companhia.

7 comentários:

  1. As madrugadas literárias parecem menos solitárias agora. Bela surpresa vocÊ e a Oficina! E o texto eu nem vou falar pq seria suspeito. : )

    ResponderExcluir
  2. Vegetariana preferida, está perdoada, mas apareça para falarmos de Cálcio, sonhos, selênio, redes sociais, amores, desamores, consultorias,proteínas, trabalho, antioxidantes e um pouco de cármenere!!!
    Por sinal, teremos também as novidades !?!

    ResponderExcluir
  3. Adorei, Mari!!!

    ResponderExcluir
  4. Oi, Mari,

    Te achei!
    Eu fui vegetariana por um ano. Daí a preguiça de preparar as comidinhas me venceu. Por isso, desejo vida longa verde pra você!
    Como o George diz, a oficina foi muito legal, em muitos sentidos. A gente se sente fazendo parte de uma confraria de tagarelas de escrita.
    Beijo
    Liliana

    ResponderExcluir
  5. Dever ser muito legal essa oficina. Eu que gosto de escrever e leio bastante, ia amar. Tu sabe se terão outros?
    Abraço.

    ResponderExcluir
  6. Oi Mariana,

    passei por aqui pra conhecer seu blog. Adorei! (embora essa exclamação talvez seja entendida como lugar comum). Quando puder me manda aquele texto que prometeu no Oficina de Crônicas, que eu adorei também! Renato

    ResponderExcluir
  7. Ane, a dica que eu posso te dar é seguir o Fabrício no Twitter, ele sempre avisa o que anda aprontando!

    @CARPINEJAR.

    Renato amado, te mando por email o texto, certo? Ainda não sei se vou publicar aqui! E eu também Adorei vc!! Beijos.

    ResponderExcluir