quinta-feira, 7 de abril de 2011

Os espelhos falam devagar.


Toda mulher que passa pelo espelho precisa se olhar. É garantir que está ali, e que a roupa combina. Já me curvei pelas portas dos carros quando a única saída era o retrovisor. 

É mais que conferir se o cabelo ficou bom, tem a ver com bater o ponto na nossa feminilidade. Ajeitar a bolsa, conferir os olhos da maquiagem. Bisbilhotar as pequenas coisas da face. 

Triste é quando alguém abre a porta do elevador no quarto andar. Além de testemunhar o apego pela imagem ao inverso, acaba de nos privar de mais alguns instantes de ficar ali olhando. Eu poderia ter ido sozinha até o térreo. 

Uma vez teimei em pedir para o senhor descer de escada. Eu precisava terminar de conferir a sobrancelha. A metade de seu corpo que foi expulsa tenta ainda entender as mulheres. O resto já desistiu.

É que depois daquela noite, as conversas com os espelhos tinham mudado.

- Eu adoro as tuas sobrancelhas.
- Uma delas é mais alta que a outra. Pareço um monstro.

Ele elogiou a possibilidade de colocar a moldura no lugar. Chegou perto com as mãos. A gente sempre tenta arrumar o outro.

- Pára de olhar. O táxi chegou.

Foi um caminho de volta para casa nenhuma. E o que importava o destino. Fiquei pensando mesmo nas pinças, nas manicures metidas que tentam ajeitar os fios, na tesourinha que às vezes a gente precisa para arrumar um dos lados. É como unha quebrada, não dá pra fazer mais nada na vida antes de consertar.

Eu cuidava bem dos cabelos e das unhas. Adorava os meus pés. Uma vez havia me apaixonado pelas panturrilhas meio magras, mas de pele bem tratada. E adorava ficar dizendo batata da perna. Todas as partes do corpo já foram casos de desprezo ou paixão.

Até então era fácil conviver com esses trajetos de mim aos pouquinhos, cenas que não cabiam a mais ninguém. Mas agora não poderia suportar a sua descoberta: as sobrancelhas eram o único movimento do meu amor. 

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