sábado, 23 de abril de 2011

O vestibular da fossa, por F. Carpinejar

(frações de cores comuns)

é reconfortante quando um autor escreve o que a gente precisa.
poupa trabalho.

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Superar uma dor de amor é o equivalente a estudar para o vestibular. Tranca-se no quarto, são recusados convites para sair e se divertir, a história pessoal é revisada, sublinhada e decorada à exaustão. Não mais o esporte, não mais as festas, não mais os bares. Os únicos amigos preservados são os travesseiros.

Fala-se pouco, come-se devagar, experimenta-se um emagrecimento involuntário que dá mais certo que uma dieta consciente. Aquela sonhada perda de sete quilos realmente acontece, na hora e no jeito errados. Não festejamos, não percebemos, não alardeamos a forma física; a tristeza encabula o corpo. Somos um par de olheiras e uma boca confusa. As reticências do período tanto podem ser suspiros como gemidos.

A única missão que resta é estudar, não para seguir uma profissão. Estudar para seguir a própria vida. Estudar para se manter em pé ou definitivamente cair. Na dor do amor, o desejo é chegar ao fundo de si, mas o fundo de si está na pessoa que deixou de nos amar. E nunca se chega ao fim. O fim não está mais com a gente. Foi junto com quem traiu a fidelidade em que acreditávamos.

A dor do amor oferece igual preparação de uma prova difícil. Uma prova que não importa a doação, o resultado é conhecido. O que se queria já se perdeu. Um vestibular que significará esforço e não celebração. Um vestibular onde se é desclassificado antes da inscrição.

Não cumprimos a rotina, mal e forçosamente ficamos de pé. Os pijamas pedem na Justiça a guarda da pele. É um luto sem enterro. Um luto sem cadáver. Um luto sem missa de sétimo dia. Um luto sem familiares se aproximando e tentando consolar. Um luto sem pêsames e garantia social. Um luto obrigado a trabalhar no dia seguinte. Um luto que não se explica. Um luto que não merece nem anúncio de jornal para avisar que acabou. Um luto em que o sofredor poderá se encontrar com seu sofrimento em carne e osso na próxima esquina. 

Acorda-se com a sensação de pesadelo, dorme-se com a sensação de pesadelo. Fase de transição, em que se confia sinceramente que nada será melhor do que antes. Quem tinha humor fica cínico. Chora-se, no princípio, com força, depois o choro é um hábito, perde a concentração e vira um resmungo intermitente. Não se faz outra coisa senão remoer o tempo, repisar fotografias, vídeos, cartas. Reler e revisar o que foi esquecido no Ensino Fundamental e Médio. São meses de exílio, sacrifício, a mostrar que se é capaz de sofrer a sério por alguém e abdicar do que mais se gostava.

A fossa do amor não é uma encenação. Ao passar por ela, termina a confiança irrestrita, a esperança ingênua. As pessoas que sofreram esse descompasso são reconhecíveis de longe. Não se alegrarão de todo. Uma saudade vai retirar a velocidade dos ouvidos. Não se abrirão de novo como uma vitória-régia. Têm uma sutileza que as diferenciam dos demais, o tolhimento do abandono. E poderão, no futuro, amar melhor porque não estarão mais sozinhas. Estarão sempre conversando e consultando sua dor. 

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