sábado, 21 de maio de 2011

conversas sem nexo.


Logo ela, que acreditava tanto nesse negócio de redes sociais e todo o resto. Agora nem tinha visto que ele já estava ali na lista dos seus amigos desde a hora do café. Se alguém mais soubesse, diria que é desleixo.

Ela sorriu com todos os jeitos de quem não entendia nada disso. Tem gente que ganha prêmio e diz que não esperava, mas cortou até o cabelo para subir no palco. E tem aqueles que, de fato, não esperavam. Meu pai disse que quando a gente sai sem se arrumar muito, aí sim é que arruma namorado. Teoria a ser testada.

Ele tinha mania de colocar as mãos nos bolsos do casaco de moletom, como se quisesse dar boa noite aos dedos e deixá-los ali dormindo até semana que vem. Misturava poucas cores, entre calças, camisetas e algumas listras. E mesmo assim coloria a sala.

- Essa música tem que ter um cenário. 
- Mas....
- Tem que ter. Não pode ser solta assim.
- Eu só quis te trazer uma música.

Tão simples. Eu trouxe um fragmento de mim, ele queria mais folhas do caderno. 

- Não tem contexto. É uma música solta, ficou órfã ontem à noite, quando eu caminhava pelo frio e pensava nas coisas que nunca se soltam de nós. 

É, tem coisas que nunca se soltam mesmo. Eles mantiveram uma conversa secreta, apenas dos dois, por uma noite inteira num bar que nem tinha mesa. Ele já havia mudado completamente a vida dela. Falavam por indiretas, as implicâncias passavam por terceiros. 

- Senti uma ponta de esperança?
- Duas.
- Aproveita e joga na terapia, vê o que volta.
- A terapia que mais funciona é se apaixonar.

Foi quando ele decidiu que um pouco dela era contagiante. E ensinou, com leveza, que a gente às vezes pega bicho de pé achando que é vírus. O que não faz sentido aqui, mas mudou a crônica. É, a gente se apaixona por pessoas altamente não recomendáveis. E pelo que eu sei, bicho de pé coça muito. Outro problema para a terapeuta. Ou para o dermatologista?

- Hoje já é sexta, mas te arranjei um apelido. Quintafeira.
- Eu adoro quinta-feira.
- Mas eu disse que hoje já é sexta.
- Mesmo assim, eu adoro a quinta.

Os dois foram dormir. Cada um na sua cama, com os seus dilemas. Escreviam pelo meio das cobertas. Ela queria deixar as outras músicas para amanhã. Ele reclamou. 

- Amanhã parece muito longe.
- E o que parece perto?
- Travesseiro é perto. Perto e fofo. E quente.

Ele tinha começado a ouvir seus sorrisos. 

- O que tu procura? (Era melhor ele tomar cuidado, ela não gostava de responder a clichês)
- Será que eu sei o que procuro? (Eu disse que ela não gostava)
- Será que tu sabe o que pode encontrar? (Ela não gosta de clichês, parte 2)
- Será que tu consegue fazer uma pergunta mais fácil?

Ela estava ficando irritada.

- Qual a capital do Kênia?

Essa pergunta foi enviada pelo deus que salva as conversas metafísicas vagas e sem graça. Ela nunca resistiu à diversão, ao inesperado, ao que faz pouco sentido.

- Caixas do Sul. Ganhei?
- Não tem geografia onde tu estuda?

Perdeu os mapas na vinda para cá. Deixou na mala de alguém, ficou sem caneta para anotar. Ninguém sabia informar uma referência. Só sobraram os óculos escuros, que escondiam os olhares ausentes. 

Ele ainda iria perguntar o que ela tinha comido no jantar, e a aflição tomaria conta de si quando soubesse que tinha perdido alguma coisa. Nada estranho, ela também se sentia assim. 

E agora ela ainda tem que decidir qual seu prato favorito, ele ainda vai perguntar por isso numa madrugada. E tudo que ela mais quer, nesse caso, é responder. 

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